Por Normann Kallmus *
Um dia o discípulo foi ao mestre e desabafou: – Mestre, não aguento mais a situação na minha casa. Estou decidido a ir embora. Toda a família de minha mulher resolveu se mudar para meu pequeno lar, que já era pouco espaçoso. Agora a situação ficou insustentável. O mestre dirigiu-se ao discípulo com seus olhos brilhantes e respondeu suavemente: -Se é que confias em mim, faças o que te digo: coloca teu bode bem no meio da tua sala e deixe-o lá. Assombrado com a resposta, o discípulo tentou argumentar, mas terminou aquiescendo e, mesmo contrariado e contrariando a todos em sua casa, fez o que o mestre havia sugerido. Alguns dias se passaram e o discípulo, ao raiar do sol, retornou ao mestre. Trazia pesadas olheiras nos olhos. Não estava só, mas acompanhado de sua mulher, filhos e sogros. Com lágrimas mal contidas de desespero, firmemente dirigiu-se ao mestre e suplicou: – Mestre, não podemos mais manter aquele animal em nossa sala. A sujeira e o cheiro horrível tomaram conta da casa. Ele comeu parte de nossos móveis e tapetes. Já não dormimos e sequer ficamos dentro de casa. Tem que haver outra maneira de resolver nosso problema. Praticamente sem levantar os olhos, o mestre respondeu-lhe: – Agora que entendeste, tira o bode da sala. A família voltou feliz, tirou o animal da sala, todos ajudaram a limpar e a arrumar a casa, que ficou cheirosa, limpa e harmoniosa, mesmo sem mudar nada além de voltar à situação anterior. A reunião de quarta-feira, 24 de fevereiro, entre governador, alguns secretários e algumas entidades representativas de alguns setores do comércio do estadosobre o aumento da carga tributária, foi um grande exemplo prático de como “tirar o bode da sala”. Depois de uma intensa jornada de sucessivos aumentos na carga tributária, que iniciou no final do ano passado e que culminou em 1 de janeiro, com aumentos de ICMS em praticamente toda a cadeia produtiva do estado, contemplando alterações superiores a 650%,como ocorreu, por exemplo, com alguns produtos da área de Tecnologia da Informação no estado, o governo “magnanimamente”concedeu uma “esperança” de revisão desses impostos a “alguns” setores. Poderão argumentar que “é melhor isso do que nada”. Não, não é. Já vimos essa história acontecer no governo federal, com especial ênfase a partir de 2008, quando a pretexto de criar uma política anticíclica para combater a crise mundial, o então presidente Lula concedeu reduções de impostos a segmentos como a indústria automotiva e de linha branca. Não vamos sequer considerar o fato de que as medidas provisórias estão hoje sendo alvo de investigação no âmbito da Operação Zelotes, da Polícia Federal. Vamos, portanto, nos ater aos resultados efetivos dessa distorção provocada pelo governo. A devolução dos veículos comprados naquela época está atingindo 1 em cada quatro compradores, os imóveis atingiram um 41% de devolução em 2015, o endividamento explosivo das famílias fez com que os volumes de cheques sem fundo batessem recordes. Isso só para citar alguns problemas. Voltando ao âmbito estadual, não podemos desconsiderar o fato de que durante toda a campanha o governador declarou ser contra o aumento de impostos e criticou fortemente o antecessor por isso e pela conhecida falta de disposição para o diálogo. É preciso parar de “jogar para a galera”. É essencial que tenhamos clareza suficiente para assumir que nosso sistema tributário, em especial o de Mato Grosso do Sul, é um desastre e que não vai adiantar nada conceder uma vantagem aqui e outra ali, de acordo com o grau de relacionamento deste ou daquele representante. É absolutamente nevrálgico que exista uma política tributária que promova o desenvolvimento e não que esteja voltada aos interesses arrecadatórios de um governo inchado e paquidérmico que se jacta por aumentar a arrecadação enquanto fecham-se portas de empresas e oportunidades de emprego. Compreendo que é difícil para o empresário ser firme neste momento e recusar esses mimos, mas é chegado o momento de dizer claramente aos governantes que não é mais possível distribuir “espelhinhos” como faziam os colonizadores para os silvícolas, para conter nossa indignação. É este o momento de agir. Todos os políticos estão focados nas eleições municipais e querem perpetuar-se no poder, mas não poderão fazer isso se a sociedade civil – nós, que produzimos riquezas –estivermos posicionados claramente em prol de uma discussão profunda para uma nova estrutura tributária. Não adianta tirar o bode da sala. Chega de remendos! Chega de favores! Chega de pequenas concessões, que acarretam grandes comprometimentos e terminam com nossa liberdade de expressão e de raciocínio!
*Normann Kallmus é economista da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG), especialista em Gestão do Conhecimento (COPPE/UFRJ), Administração de Projetos Logic-Frame (BID) e Educação Ambiental (SENAC).