Por Livia Subtil Santos[1]
O Brasil é um grande paradoxo. A nona economia mundial possui a maior reserva de Nióbio e de água potável do mundo, a terceira maior reserva de petróleo, a maior área arável do mundo; riquezas minerais diversas, terras raras, riquezas biológicas em sua fauna e flora; possui enorme extensão territorial e idioma unificado; clima favorável, riqueza humana e cultural, potencial energético, industrial e comercial. No entanto, este belo retrato sob o qual uma nação poderia estabelecer bases sustentáveis de desenvolvimento, transforma-se em um cenário de escassez ao analisarmos a realidade tupiniquim: crises econômicas, desindustrialização, queda da atividade comercial, desemprego, perdas salariais, privatizações, encolhimento do PIB; crise social, política e ambiental; ajuste fiscal, com cortes de investimentos e de gastos sociais, aumento de tributos e crescimento acelerado da dívida pública.
Muitos cidadãos, inconformados com este contexto tão conflitante, verificaram a ligação entre a falta de desenvolvimento socioeconômico brasileiro com gastos financeiros abusivos, relativos, principalmente ao pagamento de juros da dívida pública. Então nos anos 2000 ocorreu no Brasil um plebiscito onde 95% de 6 milhões de brasileiros votaram NÃO a manutenção do acordo com o FMI, NÃO a continuidade do pagamento a dívida externa sem realização da auditoria prevista na constituição e NÃO a destinação de grande parte dos recursos orçamentários ao sistema da dívida. Após este plebiscito iniciaram-se as atividades da organização não governamental Auditoria Cidadã da Dívida.
A ACD, com o apoio da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande, luta para que seja cumprido o direito do cidadão brasileiro, garantido pela Constituição Federal no artigo 26 do ADCT e legitimado mediante o plebiscito, de ter a dívida pública de seu país auditada. Para atingir este objetivo a ACD vem realizando, desde 2001, estudos, publicações, eventos e atividades de mobilização de entidades civis nacionais e internacionais.
Neste sentido as ações da ACD dividem-se em ações nacionais e ações regionais. As ações nacionais englobam a tentativa de formação de uma Frente Parlamentar; em um esforço para derrubar o veto da presidente Dilma à auditoria da dívida pública brasileira e na luta contra a PLP 257/2016. Esta PLP impõe intenso ataque a estrutura do estado pois impõe rigoroso ajuste fiscal, que inclui exigência de privatizações, reforma da previdência dos estados, congelamento dos salários e corte de dezenas de direitos sociais.
As ações regionais envolvem as particularidades de cada Estado da federação e seus municípios. Aqui no Mato Grosso do Sul e na cidade de Campo Grande deu-se inicio ao processo para auditar as dívidas municipal e estadual. No momento o núcleo da ACD – MS está aguardando o deferimento dos pedidos da documentação necessária para as auditorias locais. Os pedidos foram protocolados no gabinete do Secretário de Receita do Município de Campo Grande, Sr. Disney de Souza Fernandes e do Secretário da Fazenda do Estado do Mato Grosso do Sul, Sr. Márcio Monteiro. No dia 19/04/2016 o Núcleo ACD-MS foi recebido pessoalmente pelo secretário Disney, que colocou-se a disposição.
Existe no momento uma grande mobilização nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Alagoas e Mato Grosso do Sul, que vem tomando corpo nos demais estados federativos. É um assunto amplamente discutido no livro “Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados” (Fatorelli, 2013), onde a ACD publicou indícios de ilegalidade e ilegitimidade na renegociação e evolução das dívidas dos estados, além de desrespeito ao Federalismo.
Por meio destes estudos, comprovou-se a necessidade de auditoria nestas dívidas, o que influenciou as medidas tomadas pelos entes federados acima citados, que impetraram mandatos de segurança contestando a forma com que a União faz o cálculo da dívida dos estados. Hoje (27/04/2016) ocorrerá às 14 horas (horário de Brasília) votação no Supremo Tribunal Federal sobre a renegociação dos estados de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e e Rio de Janeiro.
Os principais pontos analisados pela ACD em relação ao processo da dívida envolvendo União e estados federados, e que exigem revisão, são a inconstitucionalidade da cobrança de juros sobre juros (anatocismo); o fato de a Uniao não “quebrar” se revisar os pagamentos dos estados; a cobrança de juros superiores ao permitido pelo Senado, o desrespeito ao Federalismo, o reconhecimento do ônus excessivo imposto pela União aos estados, e exigência de robustas garantias (significando risco de inadimplência nulo).
Este levantamento trouxe a urgente necessidade de revisão do estoque das dívidas estaduais desde o início, pois o processo ocorreu de forma não transparente e verificou-se que passivos de bancos e dividas do setor privado foram transferidos aos estados, impondo uma dívida duvidosa cuja conta será paga pelos cidadãos.
[1] Livia Subtil Santos é Consultora do Departamento de Comércio Exterior da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG), integrante do Núcleo ACD/MS, graduada em Relações Internacionais pela Anhanguera Unaes, cursando especialização em Administração de empresas pela FGV e MBA em Logística pela Anhanguera-Uniderp.